Clodovis Boff acumulou muitos méritos no âmbito da Teologia da Libertação. Produziu uma reflexão de fôlego sobre o método da teologia, sobre a eclesiologia das comunidades eclesiais de base (da ICAR) e sua relevância para a renovação das tradicionais e pesadas instituições da Igreja Católica Romana. Produziu, outrossim, alguns trabalhos de pedagogia popular que causaram admiração a Paulo Freire. Fiel às intuições da Teologia da Libertação, durante 10 anos trabalhou, generosamente, nas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base da ICAR) do Acre, passando meio ano por lá, dando cursos populares e subindo e descendo os rios em visita aos povos da floresta e o outro meio ano no ensino e na produção teórica na PUC do Rio de Janeiro.
Nos últimos tempos se notou um certo recuo em sua atividade e reflexão, por razões que só a ele cabe dar. O texto que analisaremos intitulado "Teologia da Libertação e volta ao fundamento" publicado no número especial da Revista Eclesiástica Brasileira de outubro de 2007 (fascículo 268 da Revista Eclesiástica Brasileira) dedicado à análises da V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho (da ICAR), em Aparecia-SP, revela traços claros deste recuo. Na parte em que aborda a modernidade demonstra um pessimismo cultural também presente em muitos grupos de Igreja, especialmente em setores importantes do Vaticano.
Na modernidade tendem a ver seu lado sombrio e menos os desafios a serem assumidos e pensados. Isso não é bom para a tarefa da evangelização assim como no-la ensinaram a Constituição Dogmática Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II e João XXIII na Pacem in terris (1963). Ai se diz que nas ideologias e movimentos histórico-sociais, primeiramente, deve-se estar atentos às busca dos seres humanos ai expressas, que deverão ser interpretadas com abertura e com coração aberto pelos cristãos. De princípio, importa recolher tudo o que existe de bom neles e somente depois proceder à critica judiciosa. O pressuposto é que a graça e o Ressuscitado estão em ação no mundo e seria blasfemar o Espírito Santo admitir que os modernos só pensaram erros e equívocos. Mas parece não ser esta a opção de Clodovis. As sombras dominam sobre as eventuais luzes, facilitando a rejeição. Ao contrário, quando se refere ao texto de Aparecida, mostra um otimismo ingênuo e um entusiasmo verdadeiramente juvenil, sem dar-se conta do esquematismo e do ahistoricismo da cristologia e da eclesiologia, tão bem apontadas por José Comblin, neste mesmo número da REB (pp. 875-880). Dizendo diretamente: o texto de Clodovis causa perplexidade e perturbação. A coisa não pode ser assim como ele a expõe e critica. Seguramente a maioria dos teólogos da libertação que conheço não se sentiriam aí representados. Ademais, o autor assume uma postura magisterial que caberia melhor às autoridades doutrinárias que a um teólogo, frater inter fratres.
1. Cui prodest? A quem interessam as críticas?
Os questionamentos que faremos não se restringem a uma polêmica intrasistêmica à teologia, sempre necessária e útil para o aprofundamento das questões. Iremos também fazê-la. Mas recobrem também a preocupação por uma política eclesiástica repressiva que se sentiria bem apoiada pelas críticas contundentes operadas por Clodovis Boff contra o conjunto da Teologia da Libertação, sem a preocupação de diferenciar os vários tipos de Teologia da Libertação, índia, negra, feminina, ecológica e outras, com suas correspondentes práticas que se querem libertadoras.
É de todos sabido que esta espécie de teologia foi vigiada e também perseguida por poderosos da sociedade e pelo Vaticano que suspeitava ser ela uma espécie de cavalo de Tróia mediante o qual se introduziria na América Latina o marxismo. Entretanto, é uma das poucas teologias que produziu cristãos que foram presos, seqüestrados, torturados e assassinados em vários países latino-americanos onde era e continua atuante. A minha suspeita é de que as críticas suscitadas por Clodovis Boff à Teologia da Libertação forneçam às autoridades eclesiásticas locais e romanas as armas para condená-la novamente e, quem sabe, bani-la definitivamente do espaço eclesial. Como as críticas devastadoras provêm de dentro, de um de seus mais reconhecidos formuladores, elas podem prestar-se a tal intento infeliz. A impressão que sua argumentação provoca é de alguém que se despediu e já emigrou da Teologia da Libertação, daquela "realmente existente" que, na verdade, é a única que existe e se pratica nas Igrejas. Esta teologia é atacada em seu núcleo definidor porque cometeu, segundo ele, um "erro de princípio, grave para não dizer fatal... falha "mortal" que, levada a termo, termina pela morte da Teologia da Libertação" (REB 1004 e 1006).
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