Por Fr. Dr. Clodovis M. Boff, OSM. Brasil
Síntese: Quer-se mostrar aqui que a Teologia da Libertação partiu bem, mas, devido à sua ambigüidade epistemológica, acabou se desencaminhando: colocou os pobres em lugar de Cristo. Dessa inversão de fundo resultou um segundo equívoco: instrumentalização da fé "pa-ra" a libertação. Erros fatais, por comprometerem os bons frutos desta oportuna teologia. Nu-ma segunda parte, expõe-se a lógica da Conferência de Aparecida, que ajuda aquela teologia a "voltar ao fundamento": arrancar de Cristo e, a partir daí, resgatar os pobres.
Abstract: It is our intention to show here that the Theology of Liberation started off on the right track but, given its epistemological ambiguity, ended up by going astray: it put the poor in the place of Christ. A second mistake resulted from this fundamental inversion: the faith became an instrument “for” liberation. Fatal errors, for they jeopardized the good fruits of this opportune theology. In a second part, we explain the reasoning behind the Aparecida Conference: the need to help that theology to “return to basics”, to have Christ as its starting point and, through this, rescue the poor.
IntroducciónSíntese: Quer-se mostrar aqui que a Teologia da Libertação partiu bem, mas, devido à sua ambigüidade epistemológica, acabou se desencaminhando: colocou os pobres em lugar de Cristo. Dessa inversão de fundo resultou um segundo equívoco: instrumentalização da fé "pa-ra" a libertação. Erros fatais, por comprometerem os bons frutos desta oportuna teologia. Nu-ma segunda parte, expõe-se a lógica da Conferência de Aparecida, que ajuda aquela teologia a "voltar ao fundamento": arrancar de Cristo e, a partir daí, resgatar os pobres.
Abstract: It is our intention to show here that the Theology of Liberation started off on the right track but, given its epistemological ambiguity, ended up by going astray: it put the poor in the place of Christ. A second mistake resulted from this fundamental inversion: the faith became an instrument “for” liberation. Fatal errors, for they jeopardized the good fruits of this opportune theology. In a second part, we explain the reasoning behind the Aparecida Conference: the need to help that theology to “return to basics”, to have Christ as its starting point and, through this, rescue the poor.
Queremos aqui, numa primeira parte, fazer um questionamento de fundo da Teologia da Libertação (=TdL). A intenção não é desqualificar a TdL, mas, antes, defini-la de modo mais claro e refundá-la sobre bases originárias. Só assim se podem garantir seus ganhos inegáveis e seu futuro. Apresentaremos, num segundo momento, a lógica que o Documento de Aparecida pôs em operação. Entendemos mostrar por aí como a TdL pode ser reconduzida aos seus fundamentos, ser incorporada num horizonte mais amplo e, assim, assegurar o que ela tem de melhor. Reconhecemos que a análise que faremos da TdL é um tanto trabalhosa e sinuosa, enquanto a de Aparecida é mais fluente e linear. De todos os modos, andaremos aqui a grandes passadas, sem podermos explicar tudo e nem nos determos em detalhes.
I. TdL e sua funesta ambigüidade A questão: ambigüidade epistemológica acerca do fundamento
Falando em TdL, não visamos aqui a TdL ideal, tal como foi projetada e proposta por seus founding Fathers, sobretudo por Gustavo Gutiérrez. Falamos mais precisamente da TdL "realmente existente", a que tem atrás de si quase quarenta anos de caminhada e cuja evolução já deixa ver traços exigindo crítica e retificação. Ora, a atual TdL, prática e mesmo confessadamente, confere primazia (prioridade ou centralidade) ao pobre e à sua libertação. A "opção pelos pobres" seria seu eixo ou centro epistemológico. Diz-se também que o pobre ou a realidade do pobre é o "ponto de partida" dessa teologia. Esta adota a "ótica do pobre". Tudo isso é sabido e é, aliás, o que caracteriza essa teologia. A prioridade do pobre e de sua libertação se tornou na TdL um pressuposto quase que "evidente por si mesmo". Aí está posto sem problemas. Contudo, está posto de modo teoricamente indeciso e confuso, permitindo ambigüidades, equívocos e reduções.
Sem nenhuma dúvida, na TdL, a "opção pelos pobres", como tema fundamental, está fundada teologicamente (na Bíblia e na Tradição). Contudo, como princípio epistemológico particular, conferindo uma perspectiva determinada, permanece largamente impensada e não discutida nos meios "liberacionistas". Está aí posta sem advertência epistemológica, gerando confusão tanto na teoria como na prática. Neste ponto, a própria linguagem "liberacionista" é sem rigor. Jon Sobrino, por exemplo, fala dos pobres como a instância que dá a "direção fundamental" à fé e como sendo seu "lugar mais decisivo". Com toda a evidência, estes dois qualificativos "fundamental" e "decisivo" são jogados aí de modo descuidado. Pois não cabem, em absoluto, aos pobres, mas sim à "fé apostólica transmitida pela Igreja", como lembra, de modo pertinente, a "notificação" romana, questionando certos pontos da cristologia do referido teólogo (n. 2). Pode-se, no máximo, adivinhar e talvez justificar o que quer dizer Sobrino com aquelas expressões.
Agora, quando se questiona o pobre como princípio e se pergunta se não é antes o Deus de Jesus Cristo, a TdL costuma recuar e não nega. E nem poderia, pois Deus está em primeiro lugar, por definição. Razão e fé aqui se unem para afirma-lo. É, aliás, em teologia, o "óbvio ululante", que paradoxalmente se torna uma "evidência ofuscante". Não é que a TdL afirme "de pés juntos" a primazia epistemológica dos pobres e de sua libertação. Também não rejeita explicitamente a primazia de Deus e da fé. O que faz problema na TdL é sua indefinição sobre uma questão que é capital na esfera do método....
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Fuente: Clodovis M Boff, OSM, "Teologia da Libertação e volta ao fundamento" en Revista Eclesiástica Brasileira, N. 268, Vol. 67, Outubro 2007, pg. 1001-1022.
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